Falar e escrever mal prejudica a vida profissional. Veja como melhorar sua comunicação e transmitir as ideias com clareza
O escritor angolano José Eduardo Agualusa é tido como o
predileto da presidente brasileira, Dilma Rousseff. Em seu livro Milagrário
Pessoal (2010), ele faz uma crítica às palavras fracas, muitas das quais lotam
o vocabulário corporativo.
A protagonista da história é uma jovem linguista cujo
trabalho é usar um software para descobrir novas palavras — os neologismos — em
jornais e revistas e, quando for o caso, registrá-las em dicionário.
Mas isso pouco acontece. As gírias que repetimos no
trabalho, mostra o escritor, pouco contribuem para a comunicação e não merecem
a inclusão oficial em nosso vocabulário. Veja o que ele diz neste trecho do
livro: "Entre as palavras recém-nascidas, a taxa de mortalidade é
elevada. Muitas padecem de graves defeitos congênitos. São frágeis, mal
respiram, não resistem ao duro processo da seleção natural".
O trabalho é a fonte primária dessas palavras fracas e
desprovidas de sentido e precisão, que dificultam a comunicação e atrapalham o desempenho do
profissional que as profere. Do chão de fábrica às mesas de conselho, ninguém
escapa dos jargões, estrangeirismos, lugares-comuns e gírias. Quem nunca ouviu
ou recebeu e-mails com termos como "agregar valor ao negócio",
"sinergia" ou "approach"?
"A comunicação ruim é uma praga nas empresas",
afirma Edison Rosa, consultor de comunicação, de São Paulo. De acordo com ele,
muitos profissionais acham que usar jargão o tempo todo transmite a ideia de
domínio da área e impressiona os colegas. "O problema é que, muitas vezes,
a mensagem é simplesmente ininteligível ou pedante", diz o consultor.
Uma pesquisa feita no LinkedIn, rede social
com mais de 135 milhões de usuários — 6 milhões só no Brasil —, mostra que
palavras como "inovador" e "criativo" aparecem em mais de
3.000 perfis.
Para Danielle Restivo, gerente de comunicação corporativa
do LinkedIn para Canadá e Brasil, as pessoas usam essas palavras para descrever
sua experiência profissional como forma de se enquadrar em um grupo. "São
expressões que se tornaram populares e parecem mais importantes do que
são", diz Danielle.
Faltam vocabulário e capacidade de argumentar e de dar
clareza aos discursos. "Os profissionais se escondem atrás dessas palavras
porque têm um vocabulário pobre", diz Osório Antônio Candido da Silva,
professor da BSP e da Fundação Instituto de Administração (FIA), em
De acordo com ele, as pessoas têm dificuldade de se
expressar e pouca familiaridade com a língua portuguesa. "Muitas são
fluentes em inglês mas não conseguem explicar algo simples em seu próprio
idioma."
Cuidado com a gramática
Os ruídos de comunicação prejudicam a carreira. Uma
pesquisa feita pelo Project Management Institute Brasil (PMI) em 2010 com 300
companhias nacionais e multinacionais mostrou que em 76% delas os projetos não
dão certo porque os profissionais não sabem escrever nem falar bem. “
"Hoje em dia, uma enorme parcela de pessoas chega ao
mercado de trabalho sem competência para redigir um texto formal de
qualidade", diz a professora Maria Clara Jorgewich Cohen, autora do livro
Comunicação Escrita – A Busca do Texto Objetivo (Editora E-Papers).
O mais grave, ela ressalta, é que a maioria dos
profissionais não admite que precisa melhorar. "Muitos ficam constrangidos
de frequentar cursos porque ocupam altos cargos", diz Maria Clara.
A percepção de que a deficiência do idioma é crescente
parte do próprio mercado. Hoje, escolas de idiomas oferecem aulas de português
para brasileiros. Várias têm ampliado o número de treinamentos.
A Fundação Fisk, por exemplo, oferece o curso Português
sem Tropeços desde o segundo semestre de 2008 e atualmente atende mais de 5.000
alunos em todo o país. Dos matriculados, 70% vêm de empresas, principalmente
das áreas financeira e comercial, e a maioria é composta por gestores.
"Percebemos que existia no mercado um desnível entre
a competência técnica e a habilidade de comunicação", diz o professor
Elvio Peralta, diretor superintendente da Fisk de São Paulo.
De acordo com Elvio, embora a cobrança pelo segundo
idioma seja alta no mercado, o profissional não pode descuidar da própria
língua. "Quem não tem o domínio do português com certeza será
malvisto", afirma. "Há deficiências graves em concordância verbal e
nominal e referentes à nova ortografia."
A Companhia de Idiomas é outra escola que oferece cursos
de português para brasileiros. “Quando é a empresa que nos procura, fazemos um
levantamento das necessidades já percebidas pelo RH e aplicamos um teste para
detectar exatamente quais áreas precisam ser trabalhadas”, diz Ligia Crispino,
sócia-diretora da escola.
Assim, os cursos podem abordar a produção oral e escrita,
regras de gramática e a nova ortografia — depende do que é necessário para
melhorar a comunicação com o público.
O antigo curso de reciclagem é chamado oficina de
comunicação. Isso porque, afirma Ligia, quando a solicitação vem da direção ou
do RH, muitos alunos não querem dispor do tempo que têm para estudar português.
"O objetivo é sensibilizá-los da importância que a comunicação tem para os
negócios", diz Ligia.
O uso correto do idioma pode ser a diferença entre um
desempenho eficaz e o fiasco nas relações com colegas e clientes. Deixe de lado
o preconceito e abuse do vasto vocabulário da língua portuguesa. De nada
adianta falar mais de um idioma e ser especialista num assunto se você não
conseguir transmitir ideias em seu próprio idioma. Solte o verbo, mas de
maneira correta.
Comunicação sem ruídos
A gerente financeira Edjane Andrade, de 38 anos, da
empresa de tecnologia Amadeus, de São Paulo, voltada para o setor de turismo,
sabe que não pode descuidar da língua portuguesa. Em março de 2011, ela fez um
curso sobre reforma ortográfica que abordou também o uso excessivo de
expressões em idioma estrangeiro, jargões e vícios. "Para quem deseja ter
uma carreira sólida e, principalmente, atingir um cargo de liderança, falar e
escrever bem em português é essencial", diz Edjane.
O advogado paulista Maurício da Costa, de 30 anos,
diretor jurídico da Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhadores
em Metalurgia, procurou um curso de português para diminuir o emprego de
jargões como "proativo" e "inovador". "Usava muitas
palavras desse tipo e sabia que precisava mudar esse hábito",
afirma.
Como aprimorar a comunicação oral e escrita
Evite o uso sem necessidade de palavras já
desgastadas, como "paradigma", "valor" e
"sinergia". Evite os verbos ingleses aportuguesados, como printar,
startar, linkar, atachar.
Elimine gerundismos como "vou estar
apresentando", "vamos estar demonstrando".
Não complique. Desenvolva um vocabulário simples e
objetivo para apresentar suas ideias.
Pronuncie bem as palavras. Não corte o
"s" e o "r" finais nem o "i" intermediário.
Fuja dos cacoetes no meio do raciocínio, como
"tá ok?", "é assim", "né", "bem",
"então", "certo?", "é o seguinte".
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