Profissionais que exageram no trabalho podem errar mais, perder a concentração e ter problemas de saúde e sociais

O executivo chega de mais uma longa viagem de trabalho e repara que sua esposa não foi buscá-lo no aeroporto como de costume. Ele tenta chamar a família para jantar, mas sua esposa e filhos o esperam de malas prontas, e ela diz: “Terminou, não aguento mais”. Sem entender o que estava acontecendo em sua vida, ele pergunta o motivo, e ela responde que cansou de dizer que não aguentava mais a solidão e o pouco tempo que ele passava com a família em decorrência do trabalho.
Esse caso pode parecer estranho, mas é real. É um episódio que Ana Maria Rossi, PhD, psicóloga e presidente da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), ouviu de um paciente em seu consultório. Quer mais surpresas? O executivo não se dava conta, durante tantos anos, do exagero com que se dedicava ao trabalho, colocando em último plano sua vida pessoal.
Hoje, cada vez mais, observam-se pessoas se designarem “workaholics”. E embora possa soar como uma característica positiva, é preciso estar (muito) atento. Segundo Ana Maria, esse é um comportamento disfuncional ligado à compulsão, e eventualmente pode se constituir em uma doença que precisa de tratamento.
Um dos grandes desafios para o tratamento de uma pessoa workaholic é que ela não se reconhece como tal. Tende a negar e, às vezes, trabalhar às escondidas, para não ser reconhecida.
De acordo com a presidente da ISMA-BR, em geral, as pessoas já nascem com uma tendência à compulsão, o que pode ser observado desde crianças, na forma como arrumam tudo sempre da mesma maneira, ou na maneira como fecham a porta, por exemplo, apresentando comportamentos compulsivos e repetitivos. À medida que a pessoa cresce, vão se desencadeando outras situações: a vida pessoal e social não vai bem, ela não se sente gratificada pelas tarefas e esforço e acaba desenvolvendo o sentimento de que no trabalho existe essa compensação, essa gratificação, o que a faz permanecer mais tempo nessa atividade.
Além disso, o fato de trabalhar mais faz com que essa pessoa receba diversas críticas e exigências quando chega em casa; ao contrário do que se esperava dela, isso reforça seu desejo por estar mais na empresa, por não querer chegar em casa e ouvir sempre a mesma cobrança. Esse indivíduo sai do trabalho cada vez mais tarde e desenvolve um comportamento de workaholic. “Ou seja, isso normalmente acontece devido a um desequilíbrio, tanto pessoal quanto social ou religioso”, diz.
E as críticas da família não são apenas o único comportamento que reforça um comportamento workaholic. Existe uma percepção do mundo do trabalho, em geral, de que a pessoa que passa mais tempo na empresa é que veste a camisa. Esse discurso está na boca de muitos gestores e chefes, o que acaba iludindo alguns funcionários e fazendo com que permaneçam mais tempo no trabalho.
Mas esses mesmos chefes não se dão conta de que esse profissional que trabalha tantas horas possivelmente terá um resultado final com margem de erro maior, concentração mais baixa, sentimento de pressa excessivo e comportamentos mais agressivos ou passivos, pois o ser humano não é feito para trabalhar tantas horas. “O fato de a empresa encorajar esse tipo de comportamento já apresenta um problema, mas para o workaholic é uma forma de reconhecimento”, explica Ana Maria.
O jogo corporativo, como o fato de a pessoa se sentir ameaçada de perder seu emprego por enxugamento ou fusões de empresas, também pode ajudar a desenvolver um condicionamento desse tipo.
Uma pesquisa recente feita pela ISMA-BR com mil profissionais de Porto Alegre e São Paulo detectou que 23% deles têm comportamento de workaholic, e desses a falta de concentração afeta 78%; erros, 63%; comportamentos agressivos ou passivos, 42%. Isso sem falar que um workaholic tem 80% mais chances de ter um problema de saúde do que aquelas que têm uma vida mais equilibrada. “É o barato que sai caro. O custo-benefício não vale a pena”, ressalta Ana Maria.
Outros comportamentos comuns em um workaholic são a dificuldade de sair de férias e o desconforto nos finais de semana, o que gera brigas familiares e o desejo de estar fisicamente ligado ao trabalho. Isso faz esse profissional levar trabalho para casa, mesmo com a empresa não permitindo tal atitude. Quem é workaholic geralmente não percebe seu excesso. Como ele se condiciona a mais horas no trabalho de forma gradativa, não se dá conta de que aquilo se tornou um exagero.
Mas se a pessoa workaholic não se percebe dessa forma e a família não pode cobrar dela atitudes diferentes, o que fazer? Segundo Ana Maria, a família deve evitar a cobrança, pois ela divide, ao invés de acrescentar. Além disso, deve-se ser preciso e falar em primeira pessoa, dizendo: “Tenho notado que, nas últimas três semanas, dez dias você chegou às 22h voltando do trabalho; há algum problema na equipe, estruturação na empresa ou algo em que posso lhe ajudar?”. A psicóloga alerta para não cobrar a presença da pessoa ou dizer que gostaria mais da companhia dela, mas simplesmente falar que há uma preocupação e oferecer ajuda.
E a empresa, o que pode fazer? Ana Maria diz que infelizmente não há varinha de condão; o workaholic não tem esse comportamento porque é mandado, pois ele se sente gratificado, feliz e reconhecido, ele fica lá voluntariamente, sem a empresa desejar – mesmo em alguns casos em que as chefias reforçam tal comportamento. O primeiro passo é evitar esse discurso que apoia tal exagero, horas extras, etc. Além disso, sempre é bom questionar o profissional sobre os motivos de seus expedientes mais longos. Mesmo que ele tente, em suas férias ou dias de folga, saber sobre o trabalho, sugere-se bloquear seus e-mails e não permitir que colegas lhe deem informações nesse período.
Mas se a empresa força uma situação que exige desse funcionário um excesso de trabalho, a presidente aconselha avaliar se o emprego realmente está tirando qualidade de vida e saúde, pedir remanejamento da função e aprender a estabelecer limites ou colocar o currículo na rua.
Para finalizar, Ana Maria alerta: “O ‘workaholismo’ pode levar à morte”, diz. Em agosto do ano passado, os veículos de comunicação divulgaram que um jovem alemão de 21 anos que fazia estágio no banco de investimentos Bank of America-Merrill Lynch, em Londres, foi encontrado morto em seu quarto após ter trabalhado praticamente sem parar durante 72 horas.
Teste – Você é ou não é workaholic? Marque, em cada item, de 1 a 3 (1= Raramente; 2= Às vezes; e 3= Frequentemente). 1. Sou bastante detalhista na execução do meu trabalho.
2. Sinto-me culpado quando não estou sendo produtivo.
3. Quando estou tenso, trabalho para me distrair.
4. Aceito novas responsabilidades quando estou sobrecarregado.
5. Obrigo-me a concluir meu trabalho mesmo quando estou cansado.
6. Avalio-me como pessoa baseado no meu desempenho profissional.
7. Sinto-me insatisfeito com minha vida pessoal.
8. Tirar férias é perda de tempo.
9. Levo trabalho para casa porque não consigo desligar.
10. Pensar em aposentadoria me deixa em pânico.
Pontuação
Até 12 pontos: Parabéns! Você está lidando bem com as demandas e pressões, seja por não se sentir muito exigido no momento, seja por possuir técnicas eficientes para lidar com elas.
De 13 a 21 pontos: Atenção! Você é um candidato em potencial para se tornar workaholic. Identifique as situações que o frustram e avalie se pode mudá-las. Se não puder, reestruture seu modo de interpretá-las, para que não prejudiquem seu prazer de viver. Priorize ações para melhorar o seu estilo de vida e estabeleça prioridades na execução das suas tarefas.
Acima de 21 pontos: Alerta total! Você está com características que o identificam como workaholic. Planeje algumas mudanças na sua vida em geral e, principalmente, no seu estilo de vida e no seu relacionamento familiar. Determine o que mais o aflige e comece lidando com uma situação de cada vez, para não se sobrecarregar ainda mais física e emocionalmente. Busque o apoio de familiares e amigos, invista em atividades de lazer e avalie a possibilidade de ter alguma orientação profissional antes que seja tarde.
Fonte: Ana Maria Rossi, PhD, presidente da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR).
Sete dicas para organizar melhor o seu dia a dia
Christian Barbosa, especialista em administração do tempo e produtividade, dá dicas de como organizar melhor o dia e evitar os excessos de trabalho.
Coloque você na agenda. Crie compromissos e tarefas relacionados a papéis e relacionamentos importantes da sua vida. Crie o papel EU S.A. e planeje ações que possam satisfazer o seu eu, coisas de que você gosta, que vão fazer você se sentir bem e mais energizado. Comece se perguntando “O que eu quero fazer de importante para mim?”. Bloqueie um horário na sua agenda e faça uma reunião com você. Leve esse EU S.A. para passear, ou assistir àquele filme, ouvir aquela música ou apenas escutar o que ele quer dizer de importante.
Limite seu horário de trabalho. Quando realmente queremos ou precisamos fazer algo, sempre conseguimos sair no horário, não é verdade? Assuma o compromisso de ser produtivo e eficaz nas horas de trabalho normais. Para isso, seja focado e organizado. Comece compreendendo que equilíbrio entre pessoal e profissional está relacionado a viver seu tempo com sabedoria. Se ficar tempo demais em uma determinada área da vida, outras áreas ficarão deficientes. Limite inclusive redes sociais, Facebook, entre outros. Autodisciplina é fundamental para viver bem o tempo.
Escreva sua missão de vida. Quem tem um propósito na vida caminha com passos mais firmes, decididos, e não perde tempo. A vida e o nosso tempo só começam a ter sentido quando temos uma direção a seguir. Quais são os seus sonhos? Não quer começar a vivê-los? Sempre há tempo de começar, ou de recomeçar. Escrever dá forma aos nossos sonhos e permite que reflitamos sobre o que verdadeiramente é importante em nossa vida.
Escreva suas principais metas. Estabeleça metas claras tanto pessoais quanto profissionais. Isso ajuda a ter atividades mais pertinentes e ações mais focadas nos resultados. Indivíduos que têm metas são mais produtivos e diminuem as circunstâncias indesejáveis. Mantenha suas metas escritas em algum lugar onde possa lê-las, de preferência todos os dias. E não basta apenas escrevê-las e lê-las, crie ações para atingi-las e as coloque em sua agenda.
Ache um hobby. Encontrar algo que gostamos muito de fazer nos dá mais disposição e energia para enfrentar o dia a dia. E se conseguir, transforme seu hobby em sua profissão, ou sua profissão em seu hobby. É como o filósofo chinês Confúcio dizia: “Escolha um trabalho que você ama e nunca mais irá trabalhar na vida”. Se você ainda não escolheu um trabalho de amor ou que ame, comece escolhendo um hobby.
Primeiro você, depois os outros. Quando você começa a realizar suas prioridades, alcançar suas metas e viver seu tempo focado no importante, é incrível como sua disposição e energia aumentam. A verdade é que só conseguimos ajudar os outros de fato quando ajudamos primeiro a nós mesmos. Por isso, para ter mais tempo, comece fazendo coisas de que você gosta, que trazem resultado. Assim terá mais tempo para viver os relacionamentos importantes em sua vida. E sua alegria e produtividades servirão de exemplo aos outros.
Equilibre seus quatro corpos. Algumas filosofias ensinam que temos quatro corpos: o corpo físico, o mental, o emocional e o espiritual. O que você tem feito para contemplar cada um desses aspectos do ser? Estabeleça um equilíbrio entre esses quatro corpos. Faça atividades que trarão saúde e bem-estar relacionados a cada corpo. Dedique tempo para exercícios físicos, estar com pessoas amadas, estudar, rezar, meditar. Pense em cada corpo e em coisas que eles precisam que sejam feitas para eles. Agende e cumpra. Eles vão recompensá-lo com muita energia e disposição.
Boa Sorte!
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